Pensadas para expandir o universo da Marvel além dos filmes, as séries do Disney+ surgiram com a proposta de explorar a diversa gama de personagens do estúdio e histórias interligadas com o cinema. Mas desde Vingadores: Ultimato, o estúdio parecia andar meio fora do eixo, e o excesso de produções, promissoras até demais, acabou causando fadiga no público casual.
E então veio Agatha Desde Sempre, trazendo aquele respiro que ninguém esperava. Pouca gente (ou ninguém, sejamos realistas) estava convencido que a série da vizinha enxerida da Wanda merecia alguma atenção. Mas, às vezes, é muito bom estar errado, e esse foi um desses momentos.
O caminho vai se revelar
Depois dos acontecimentos de Wandavision, voltamos a acompanhar Agatha Harkness, agora uma investigadora cansada, amargurada e com pouca paciencia, prestes a investigar um caso de assassinato nos arredores de Westview. Esse seria um ótimo começo para Mare of Easttown (a referência clara aqui), mas estamos falando da bruxa mais trambiqueira do MCU, né? E não demora muito até o Teen (Joe Locke) desfazer o feitiço de transe da Feiticeira Escarlate e trazer nossa bruxona de volta à ativa.
O Teen, que estudou um ou dois livros de magia, pede a Agatha para encontrar o Caminho das Bruxas, uma lenda antiga sobre um percurso de provações que, se completadas, lhe concede um desejo. O interessante é que Teen sob um feitiço de sigilo que o impede de dizer seu nome ou origem, o que desperta a curiosidade de Agatha. A partir daí, os dois partem juntos em busca do Caminho, mas, claro, vão precisar de um coven completo para isso…
A série tem um roteiro muito bem elaborado e cuidadoso, deixando claro em tela o zelo da equipe com o projeto. Seja um episódio de corrida contra o tempo para preparar uma poção, consultar um tabuleiro de Ouija ou tocar juntas a Balada para exorcizar um demônio do passado, a série mostra uma força de personalidade que ganha fôlego a cada semana. Cheia de referências ao terror, ao horror e à cultura pop, Agatha Desde Sempre prova que Jac Schaeffer sabia exatamente como atingir e encantar o público certo.
Cinco bruxas e um pet viajante
Um dos grandes acertos da temporada foi reunir um elenco talentoso e afiado para compor esse coven. Kathryn Hahn, indicada ao Emmy por WandaVision, já dominava a descarada Agatha e dessa vez vai além, explorando nuances dramáticas que só fazem crescer a personagem, especialmente na reta final.
Debra Jo Rupp retorna com a adorável Mrs. Hart, trazendo aquele alívio cômico inocente da vizinha. As novatas Sasheer Zamata como Jen, e Ali Ahn como Alice, adicionam uma boa dinâmica ao coven, enquanto Aubrey Plaza marca presença no papel de enigmática, letal e levemente perturbada Rio Vidal. E a sempre impecável Patti LuPone interpreta a confusa mas cativante Lilia Calderu, a taróloga que de vez em quando não fala coisa com coisa, mas que ganha (e quase arranca) o coração do público mais para o final da série.
Não podemos esquecer do "pet"! Joe Locke, o Teen misterioso e cheio de energia, se saí muito bem no papel do adolescente maravilhado com o novo mundo de magia que se aparece frente a ele. Sua química com Kathryn Hahn é irresistível, e a dupla entrega momentos hilários e autênticos que sustentam a série – em uma cena específica, ele mal consegue segurar o riso com os trejeitos de Agatha. Parece que a produção encontrou a dupla perfeita para conduzir a aventura.
E tem muita bruxaria fora da tela também
O melhor de falar sobre Agatha Desde Sempre é que não faltam pontos positivos. O orçamento modesto não impediu a equipe criativa de dar vida ao projeto com um visual marcante e ao mesmo tempo cheio de personalidade. O Caminho das Bruxas, onde boa parte da série se desenrola, tem um design camp e artesanal, repleto de detalhes. Existiu todo um cuidado com os figurinos das séries: nosso coven trocava de roupa em quase todos os episódios, refletindo sempre a essência dos personagens que estamos acompanhando.
Jac Schaeffer retorna como showrunner, e é visível que ela sabe manter a série em seu próprio universo, desvinculada das amarras tradicionais do MCU. Tem revelação de heroi novo no jogo, claro, mas fora isso, Agatha não se dá ao trabalho de se conectar com nada em desenvolvimento no MCU. Os efeitos práticos que, em vez de destoarem, adicionam charme ao visual, remetendo a obras como os primeiros Star Wars e até Castelo Rá-Tim-Bum (por que não). O CGI, usado com moderação e em cenas noturnas, entrega o que precisa sem ofuscar o toque artesanal da produção.
A trilha sonora é um show a parte também. Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez, responsáveis por outras canções, como as de Frozen, Viva e WandaVision, retornam para grudar nas nossas mentes a música chiclete que vai nos acompanhar durante toda a temporada. Você vai se pegar cantarolando inúmeras vezes “Down the Witches Road” enquanto lava a louça ou dá comida ao seu pet.
Quando se fala em um projeto da Disney, é raro esperar algum tipo de representatividade. Por isso, é notável ver o projeto rompendo essa barreira vindo de um estúdio tão criticado e envolto em polêmicas no passado. A série se dirige sem segredos diretamente ao público queer da Marvel, que há tempos ansiava por representações nas telas. Os pais do Teen aguardam ele chegar em casa e perguntam sobre o namorado dele. O pai até fala que fez o prato favorito do namorado. É uma série que não precisa levantar nenhuma bandeira de ativismo, mas que ao colocar o primeiro beijo lésbico da Marvel na tela, avança finalmente um pouco em mostrar que esses personagens existem e vieram para ficar!
A glória é o final
Agatha tem de tudo: atuações, figurino, drama, conceito, referências, bruxaria, rituais, possessão, mortes, fantasma, amizades, traições, sororidade, rivalidade feminina, química, mulheres se pegando, GAYS!!!
A Marvel andou mal das pernas e perdeu a confiança de muitos fãs ao deixar tantas pontas soltas que agora fica difícil amarrar tudo. Mas olhando para os lançamentos mais recentes, X-Men ‘97 só cresceu depois de sua estreia, e Deadpool e Wolverine dominou a bilheteria mundial, se mantendo em primeiro por semanas.
A partir do momento em que o estúdio decidiu se organizar, as coisas parecem ter ficado mais claras, e os resultados estão começando a aparecer. Dividir suas produções entre animações, séries e filmes parece ter funcionado. Agatha se junta a esse sucesso porque foi um projeto que precisou de tempo para ser elaborado, pensado, redigido e realizado. É evidente na tela quando algo é feito com intenção, em vez de apenas para cumprir um calendário, e isso impacta diretamente o fã que consome o projeto.
Agora, Kevin Feige, me ouça aqui: aproveite o hype de Deadpool, crie um especial de Natal onde o mercenário, por ordem da TVA, viaje por toda linha temporal do MCU, encontrando e eliminando todas as pontas soltas que ficaram: Harry Styles, Charlize Theron, Visão Branco, Cavaleiro Negro… deixa ele arrumar tudo pra gente! No final, um portal se abre, e o novo Quarteto Fantástico faz uma aparição, com um deles dizendo: “era esse aí que o Charles estava procurando?”, sobe uns acordes da música tema dos X-Men. Pronto! Entrega eles pra gente, Marvel!!!
Loucuras da cabeça do redator à parte, a showrunner que fez tudo acontecer ainda não deve saber os próximos passos de seus personagens na grande máquina do MCU. Nossa torcida é que ela consiga se envolver ainda mais nos projetos de bruxaria do estúdio e que confiem a ela o poder de dar vidas a esses personagens novamente. Estamos esperançosos e, até lá, aguardando nosso coven se reunir mais uma vez.
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