Conhecido por seus filmes totalmente fora da caixa, Yorgos Lanthimos está de volta na direção, desta vez do longa Tipos de Gentileza, que estreia nos cinemas do Brasil no dia 22 de agosto. Eu já conferi o filme e conto a seguir as minhas impressões sobre ele.
A regra de três em Tipos de Gentileza
Tipos de Gentileza nos leva por três narrativas que, embora separadas, compartilham um tema comum. Em cada história, vemos personagens em situações que desafiam suas percepções e os forçam a reavaliar suas vidas e as relações com aqueles ao seu redor.
Na primeira, acompanhamos um homem que, após uma decisão crucial, perde o controle sobre a própria vida e luta para recuperá-lo. Em seguida, um policial se depara com o retorno inesperado de sua esposa, que volta diferente de uma missão enigmática e o conduz a limites que ele jamais imaginaria cruzar. E na última, uma mulher determinada a ser uma líder espiritual abre mão de tudo para encontrar uma pessoa com habilidades únicas, numa jornada que testará suas crenças mais profundas.
Juntas, essas histórias mostram como alguns gestos podem ser transformados em atitudes que vão à flor da pele, colocam tudo que é até então conhecido em risco e tiram o que estava no controle em um turbilhão de situações improváveis e absurdas.
Um palco bizarro é criado para os amigos brincarem
Yorgos Lanthimos é um mestre em transformar o comum em algo perturbador e extraordinário. Ele cria um universo onde a estranheza é normalizada e transporta o público a um lugar onde as regras do cotidiano parecem se dobrar e se retorcer. Essa atmosfera é cuidadosamente construída através de uma combinação de trilha sonora, fotografia e ângulos de câmera que brincam com a percepção do espectador.
Os três contos que compõem o filme, especialmente o primeiro: A Morte de R.M.F., trazem à tona a habilidade de Lanthimos em testar a paciência do público, mostrando até que ponto uma pessoa pode se submeter a uma realidade já pronta, sem jamais projetar suas próprias decisões.
Os ângulos sinuosos e as escalas de cinza amarelado da fotografia reforçam essa sensação de aprisionamento e repetição, como na trajetória de Robert (Jesse Plemons), que, nas mãos do metódico Raymond (Willem Dafoe), é levado ao extremo. A trilha sonora retorna com Jerskin Fendrix, o seu "pianinho agudo" e sua orquestra melodramática para nos afugentar nos momentos mais intensos e contribuir para uma experiência hipnótica e inquietante.
A arte de ser alguém que não se é
O que acontece quando alguém perde o controle sobre o mundo que conhece, mesmo que esse mundo o tenha corrompido como indivíduo, e agora já não lhe caiba mais? Essa é a pergunta central que Yorgos Lanthimos explora em Tipos de Gentileza. Os personagens principais, interpretados por Emma Stone, na terceira história, e Jesse Plemons, na primeira, lutam desesperadamente para se reconectar com uma versão de si mesmos que já se foi, tentando recuperar um status de pureza que nunca foi realmente alcançado.
Quando falamos das atuações, não é necessário ir muito longe para reconhecer a excelência dos atores envolvidos. Emma Stone, Willem Dafoe, Margaret Qualley, Hong Chau e Jesse Plemons entregam performances tão naturais e convincentes que o espectador mal percebe que está assistindo a uma interpretação. Eles mergulham tão profundamente nos papéis que, mesmo com tantos personagens, essa transição é feita quase num passe de mágica.
Lanthimos, por sua vez, comanda o show com a mesma maestria que o público já espera dele. A fotografia, a direção de câmera, e a maneira como ele dirige os atores são elementos que reforçam sua reputação como um dos cineastas mais excêntricos e inovadores da atualidade. No entanto, enquanto ele coloca todas as cartas na mesa e cria um ambiente carregado de estranheza e subversão, há uma sensação de que ele não leva as histórias além do ponto onde as revela.
A narrativa instiga, provoca, mas no fim, não se aprofunda como poderia. Essa falta de uma progressão mais impactante pode deixar o espectador com a sensação de que, embora o caminho tenha sido intrigante, o destino final não cumpriu todas as promessas feitas durante a jornada.
R.M.F talvez precise tirar férias
Todos os elementos do estilo de Yorgos Lanthimos estão presentes em Tipos de Gentileza: a excentricidade, a divisão em capítulos bem estruturada e o domínio visual que o cineasta imprime em cena. No entanto, o ponto de convergência do filme não funciona como deveria. As três narrativas, que poderiam funcionar como episódios isolados de uma antologia, acabam não se unindo de maneira coesa. Ao invés disso, o filme deixa uma sensação como se estivéssemos assistindo a episódios soltos de Black Mirror, mas que não chegam a lugar algum. A mudança abrupta entre as histórias exige do espectador um esforço constante para se adaptar às novas regras e dinâmicas, sem dar tempo para que as conclusões anteriores sejam digeridas.
Depois do deslumbrante Pobres Criaturas, a expectativa era de que Lanthimos nos entregasse algo que ultrapassasse suas próprias barreiras. Ele subverte, sim, mas talvez dessa vez tenha feito um filme mais para si mesmo do que para o público. Não acredito que o “casamento” de Lanthimos e Emma Stone esteja em apuros por causa do filme, mas com certeza estamos passando por uma fase estranha nessa relação.
Tipos de Gentileza é um filme que se mantém no meio do caminho: cruel, mas não descontrolado; intrigante, mas não revolucionário; conceitual, mas sem a precisão necessária para marcar o espectador. Pego pensando na metalinguagem em que o filme se colocou: falar sobre perder o lugar comum e ficar desconfortável. Foi exatamente isso que Lanthimos fez: criou um mundo onde sua estranheza comum não parecia mais a mesma. Será que isso foi planejado ou apenas um gesto de gentileza do destino?
Kommentare